Crime e pesadelo
Vejam só quem me aparece em sonho: ninguém menos que Fiódor Mikhailovich Dostoievski. O barbudo e epilético escritor russo surgiu cambaleante na porta do meu quarto, com cara de quem havia acabado de perder uma boa grana no jogo, para variar:
- O que você está fazendo dormindo? - ele perguntou, sentando-se na ponta da cama, com as duas mãozinhas entrelaçadas ao joelho, exatamente como na imagem mais famosa.
- Não sei como é, ou era, na Rússia. Mas aqui nós fazemos isso todas as noites.
- Já imaginou quantas idéias geniais você já perdeu enquanto dormia?
- Mas a de hoje eu vou me lembrar, com certeza.
- Você está muito acomodado ultimamente, sabia?
- Ah é? Então estou sendo acompanhado assim tão de perto?
- Deixa eu lhe contar um segredo. Lá onde nós estamos agora, eu e os outros escritores temos à disposição uma enorme biblioteca. E vasculhando a seção latino-americana nós encontramos você.
- Ao lado da Nélida Piñon, eu aposto.
- Nada disso. Imagine uma enorme biblioteca, na qual estivessem registradas as biografias de todas as pessoas do mundo.
- Isso é coisa do Borges, não?
- É. Ele hoje é o responsável por organizar, quer dizer, desorganizar tudo. É por isso que eu estou aqui.
- Sei...
- Não sabe, não. As páginas da sua biografia estão incompletas. Você não sabe como são os cupins lá do outro lado... O negócio é que eu fiquei encarregado de reescrever a sua vida, mas fiquei meio travado depois que você publicou o seu livro e...
- Se o segundo não sair a culpa não é minha. A Rocco atrasou com a resposta.
- Não estou falando em escrever, e sim em algo mais... literário. Já pensou em cometer um crime?
- Do tipo, matar uma velhinha para quem eu devo grana?
- Esquece, seu engraçadinho. Depois, quando a gente se reencontrar, não vai reclamar que a sua biografia está uma merda.
- Não se preocupe. Antes disso acontecer eu contrato o Fernando Morais pra escrever alguma coisa sobre mim e o caso está resolvido.
- Está certo. Então a gente se fala.
- Um abraço, Dostô. E se estiver a fim de escrever algo novo, pode deixar que eu psicografo. Não vai me procurar a Zibia Gasparetto, pelamordedeus...
- Combinado.
5 comentários:
Sonhar com Dostoieviski? Isso é meio esquisito...
É Marco. Os últimos posts andam muito esquisitos! Brincadeira!
Tem razão, os dois. Sonhar com um velho barbudo sentado na minha cama é, no mínimo, esquisito.
Genial o conto, Vini. Mas fica a dúvida, a conversa foi em que idioma?
Sumida deste blog, hein?
Dostô fala muito bem a língua de Camões e Pinheiro, pelo menos nos meus sonhos...
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