No sangue
São Paulo, tarde de terça-feira. Nada como uma conversa para amenizar o difícil e congestionado percurso entre o Hotel Renaissance (quase o meu segundo local de trabalho) e a redação. O taxista bem que se esforçava, mas o interlocutor, sentado no banco do passageiro invariavelmente com um ar blasé, insistia em não colaborar. Depois de esgotarmos os temas básicos, como trânsito e meteorologia, passamos vários minutos do trajeto em silêncio. Até ele voltar a puxar papo:
- Já viu o estado desse Elevado? Vai acabar com o pessoal da São Silvestre.
- É verdade – eu respondo, sem dar bola e com o mau humor característico de quando estou a trabalho.
- Você não tem cara de quem corre.
- Acertou. Fico cansado só em falar nesse assunto.
- Esse ano eu não vou – ele prosseguiu, sem se dar conta da indireta. – Pra correr a São Silvestre é preciso estar preparado. Com todo o respeito, quando eu corro é pra valer. Não vou fazer palhaçada pra aparecer na TV.
- Sei – me rendi. – Tenho umas amigas que vão participar. Elas são loucas por esse negócio.
- Corrida é pra quem é louco mesmo. Está no sangue – ele falou, batendo forte nas veias do braço esquerdo cuja mão segurava o volante.
- É, acho que não está no meu – eu disse, olhando para o meu próprio braço em repouso.
- Tem gente que gosta de correr, tem gente que gosta de ler. Aposto que você gosta de ler.
Ele finalmente chegou aonde eu queria.
- Não só de ler como de escrever. Inclusive acabei de lançar um livro! – me empolguei.
- Eu não gosto de ler. Você devia tentar o tênis – desconversou.
“Espere aí!”, eu queria dizer. “Você está falando com um escritor, meu chapa! UM ESCRITOR!!!” Mas não adiantava. Como ele próprio disse, devia estar no sangue.
- Tem razão - respondi, depois de pensar um pouco. - Acho que vou tentar o tênis.
7 comentários:
Agora que o governo perdeu a CPMF só restou mesmo a São Silvestre!!!
Pra mim, restou a correria das compras no shopping...
Com um poquinho mais de boa vontade, vc teria assunto com ele né? Poderia falar das suas amigas corredoras e tal que agora percebem o quanto te aborreceram anos a fio com esse papo. beijo
Com um poquinho mais de boa vontade, vc teria assunto com ele né? Poderia falar das suas amigas corredoras e tal que agora percebem o quanto te aborreceram anos a fio com esse papo. beijo
Tem razão. Mas vc conhece o meu humor. Além do mais, o cara não dava bola para nada do que eu dizia...
Acho que a Rejane ficou magoada. Diz pra ela que papo de taxista no meio do expediente é tooootaaaalmente diferente de ouvir sobre uma grande amiga correndo. Aliás, eu corri no começo do ano passado na USP. Tenho uma longa história pra te contar sobre isso.
Essa é nova! Não sabia que vc fazia parte dessa massa de seguidores fanáticos de corridas!
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