domingo, dezembro 09, 2007

Não-ficção

Da série: “agruras de um escritor”:

Resolvi tirar a tarde de sábado para um passeio rápido pelas livrarias da Paulista. Não queria perder a oportunidade de conferir O Roteirista na prateleira dos lançamentos, ombro a ombro com os mais vendidos, os cultuados, os clássicos... Afinal, eu era um escritor publicado por uma das maiores editoras do País. O momento era meu, sem dúvida.

Pouco antes de sair de casa, fui abatido por um estranho temor: e se, de repente, me reconhecessem em plena livraria? Quero dizer, não gostaria de ser flagrado lambendo a cria assim, em público. Não pegava bem para um escritor do meu nível. Eu já podia me ver cercado de pessoas, algumas com caneta na mão, em busca de um autógrafo da mais nova promessa da literatura nacional.

Seria interessante, embora meu desejo, de verdade, fosse apenas observar, se possível de longe, a reação das pessoas ao folhear as páginas do livro. Algumas delas o rejeitariam de cara, talvez pelo conteúdo um tanto pornográfico, ou pela falsa auto-indulgência do autor na apresentação da orelha. Tinha certeza, porém, que muitas outras nutririam uma certa simpatia e acabariam por levar um exemplar debaixo do braço em direção ao caixa.

Para evitar ser reconhecido por algum fã mais exaltado, adentrei à livraria portando meus famosos óculos para pautas jornalísticas e direção noturna, no melhor estilo Clark Kent. Não esperava encontrar O Roteirista logo na prateleira principal, mas algo dentro de mim alimentava essa expectativa. E, céus, se isso acontecesse, não seria capaz de me conter. Tomaria um exemplar em minhas mãos e daria no pé, sem me preocupar com as câmeras de segurança ou alarmes. Ninguém conseguiria nos agarrar...

Seria uma história com final feliz, mas tão irreal quanto a minha grande obra de ficção. A dura realidade era que O Roteirista não aparecia em exibição não só na prateleira principal como em nenhuma das outras dez ou quinze prateleiras daquela enorme livraria que, no passado, abrigou um cinema.

Devia haver algum engano, na certa, pois vários de meus "colegas" de Safra XXI, inclusive aqueles lançados há mais tempo, encontraram seu espaço de destaque. Como numa trama macabra, sentia-me como a donzela indefesa prestes a ser assassinada de forma brutal, sem entender como aquela que deveria ser uma das principais estréias da literatura nacional estava fora do alcance da maioria de seus potenciais leitores.

Após uma intensa e desagradável procura, cheguei a uma estante empilhada de livros com o rótulo “literatura brasileira”, de onde só se podia ver os títulos pela lombada. Foi lá que, caprichosamente posicionado ao lado de outros escritores com o sobrenome com a inicial “P”, encontrei o exemplar único de O Roteirista.

Solitário, indefeso e, pior, invisível, senti pela primeira vez o amargo gosto do fracasso literário escorrer pela garganta. Eu sabia que o livro só ganharia adeptos entre a multidão que lotava a livraria se estivesse em exposição como os demais. Foi quando tive a brilhante, embora previsível idéia de colocá-lo por conta própria em uma das prateleiras de destaque.

Pôr o plano em prática não foi tão simples. Era preciso executar a missão sem correr o risco de ser apanhado. O problema é que todos pareciam me observar, não como quem reconhece um escritor, e sim um trapaceiro. Com um pouco de astúcia e perícia, posicionei o livro em uma prateleira intermediária, acima de um Borges reeditado pela Companhia das Letras – e com todo o destaque do mundo. Logo depois, subi um lance de escadas e, da seção de livros de arte, pude enfim dar seqüência a minha intenção original de observar como as pessoas reagiam diante de minha obra.

Imaginava que o livro seria descoberto pelo primeiro cliente mais atento, mas depois de uns quinze minutos sem que ninguém sequer chegasse perto da prateleira – apesar da livraria cheia – decidi dar uma volta para relaxar. Acabei me distraindo na seção de CDs clássicos e de jazz, onde fiquei por cerca de meia hora. Mas parte de meus pensamentos ainda permaneciam no livro e no estranho que o levaria para casa, ou quem sabe o daria de presente para alguém. Tinha absoluta certeza de que O Roteirista não estaria mais no lugar quando voltasse.

E não estava mesmo! Um livro vendido em meia hora, seria esse um prenúncio do sucesso? Eu já começava a imaginar meu nome na lista de best sellers quando notei que, logo abaixo de um dos exemplares da pilha do Borges, uma pequena fagulha cor-de-rosa brilhava na minha direção. Não podia ser! Era o meu filho único que jazia quase morto, sufocado pela Biblioteca de Babel e outros contos geniais do escritor argentino.

Para ter parado ali, O Roteirista deve ter sido manuseado por várias pessoas, o que não era de todo ruim, eu pensava, tentando me conformar. De fato, o livro chamava a atenção, nem que fosse para uma rápida olhadela, seguida de um desprezo desmesurado que o levou a ser engolido mais uma vez.

Quem sabe seja esse mesmo o destino de meu romance? Perder-se em meio a títulos mais badalados, ou melhor divulgados, ou melhor escritos, ou os três ao mesmo tempo...

A visita à livraria só não me tirou a convicção de que, por mais isolado e escondido que esteja, o livro chegará às mãos das pessoas certas. Se é que já não chegou. Por via das dúvidas, reposicionei O Roteirista em destaque acima dos livros de Borges antes de voltar para casa.

11 comentários:

Anônimo disse...

Vini, depois de ler esse texto não tenho mais dúvidas, vc é o Alberto Franco!
hohohohoho

Renata Gama disse...

vini,
vc poderia ter feito uma dedicatória escondida ao seu leitor anonimo!
ja pensou q aventura?
duvido q a pessoa q pegasse nao ia comprar!

ahhh antes q eu me esqueça:
o título desse post é genial!

Anônimo disse...

Ainda não li tudo, mas tá bem engraçado. As melhores piadas saem justamente desses momentos!

Anônimo disse...

Não esquenta. Tenho certeza que o seu livro vai ser um sucesso.

Se eu pegasse nas mãos um livro autografado pelo autor eu levarua na hora. Mas seria abusar demais escrever no livro sem ser percebido pelo pessoal da livraria.

Abç,
Daniel.

Anônimo disse...

rsrsrsrsrs

Sua história está bem parecida com a dos 2 filhos de Francisco, que passou ontem na TV a cabo!

Discoteca Completa disse...

Eu não sou Alberto Franco. Se fosse, talvez tivesse coragem de escrever uma dedicatória em plena livraria. Acho q estou mais para os filhos de Francisco mesmo. Só não poderei contar com fichas telefônicas para levar O Roteirista às paradas de sucesso...

Renata Gama disse...

oq o alberto franco escreveria na dedicatória em plena livraria?

Anônimo disse...

Olha só, vi o teu livro no catálogo da Livraria da Vila! Já é alguma coisa, não?

Discoteca Completa disse...

Tildinha, provavelmente o Franco, na tentativa de ser discreto e não ser pego, faria a dedicatória da forma mais espalhafatosa possível. Surpreendido por um funcionário da livraria, se veria obrigado a comprar o próprio livro...

Alê, essa história do catálogo é bem legal. Enfim uma boa notícia para O Roteirista!

Unknown disse...

Fala Clark,
Parabens pelo livro.

Vou iniciar este "movimento" de livros nas livrarias de Santos.... hehhehe

Discoteca Completa disse...

É isso aí! Já recomendei aos amigos a adoção desta "tática de guerrilha". A idéia é vencer as livrarias pelo cansaço...